segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Degradação do Trabalho Docente na Pandemia do Covid-19

    


    
    O ano de 2020 significou mais trabalho para a maioria dos setores da classe trabalhadora, sobretudo, com um agravante para saúde física e psicológica de muitos, devido às condições mais perigosas e insalubres alargadas pela disseminação do COVID-19; também pela ineficácia na resposta em políticas de saúde pelo Governo Federal. Este ano será lembrado ainda, em especial, pela maioria de professoras e de professores pela irregular condição de seus trabalhos, como destaque, a invasão da escola no dia a dia do lar.

    Esse cenário pandêmico foi a desculpa para intensificar certas tendências e investidas contra a educação e a classe professoral. Não basta ir longe. Nos primeiros cem dias do governo Bolsonaro, o então presidente assinou um projeto de regulamentação do ensino domiciliar.* Manifestação dos desejos de transferir a responsabilidade da educação para a família e para o privado. Ainda em 2019 um plano de bloqueio de verbas para o ensino superior foi acompanhado da posição do governante em favor da ampliação do Ensino à Distância (EaD). O Ministro da Educação duplicou a carga de horas EaD para cursos de graduação presencial (Portaria nº 2.117, de 6 de dezembro de 2019). Foi a margem de manobra necessária para as Instituições de Ensino Superior (IES) privadas aumentarem o número de demissões. O desemprego estrutural do setor da educação ganhou mais números com essa medida e as universidades federais tiveram que reduzir suas capacidades administrativas com base no restrito orçamento. Estes imperativos não se restringem ao ensino superior. Na Bahia, por exemplo, o “Novo Ensino Médio” proposto pelo governo estadual (PT) propõe carga horária na modalidade EaD de forma obrigatória para estudantes da rede pública.**

    A pandemia chegou e os capitalistas não abriram mão de seus ganhos. A generalização intensificada das aulas remotas foi suficiente para alargarem o uso de aplicativos para o ensino remoto, e fazer crescer uma demanda de professores e professoras para adaptaram-se a nova situação imposta. Para analistas dos Mundos do Trabalho, a incorporação de novas tecnologias em processos de trabalho que barateiam os custos de produção não encontra retorno para etapas anteriores. Em outras palavras, pode ser um caminho sem volta. Corre o risco do ensino remoto e o uso de plataformas virtuais não seja revestida para a rede educação privada no pós-pandemia . Relatos de docentes do ensino superior privado dizem que salários percebidos no início de 2020 eram em torno dos 5.000 reais e foram reduzidos a 900 reais em meados de agosto.*** Algumas IES, por exemplo, mantiveram as mensalidades com valor integral de cursos presenciais para os/as estudantes, mesmo oferecendo a modalidade de ensino remoto durante o contexto de quarentena. Em escolas privadas o caso é mais emblemático, com o valor das horas/aulas reduzidas pela metade. Além de dos cortes nos salários de educadoras e de educadores, a precarização e os custos reduzidos pelos empregadores se dão, sobretudo, nas formas de junções de turmas para o ensino remoto. Embora o discurso seja de suposta penúria, essas instituições estão aumentando suas taxas de lucro.

    Maiores turmas, menores salários percebidos, e mais trabalho para operar as novas ferramentas de ensino afetam a experiência dos educadores e das educadoras. Acontece que esse cenário intensificou o processo de proletarização da educação, já em curso desde os decênios finais do século XX, mas que agora ganhou condições sociais e tecnológicas para ser realmente efetivada. A proletarização significa maior força efetiva de controle sobre o trabalho do professor e da professora, aumento da racionalidade formal das empresas, aprofundamento da especialização do trabalho e aprofundamento da rotinização dos processos de trabalho.

    Todo esse processo tem consequências na dimensão do gênero. Na formação do capitalismo, a burguesia buscou criar noções próprias de identidades de gênero que associou a feminilidade às tarefas do cuidado, do amor, e do lar como dimensões que invisibilizam os trabalhos da reprodução e da manutenção da vida como não-trabalho ou trabalho não remunerado. Esta massa de trabalho gratuito é substancialmente concretizada pelas mulheres ainda na sociedade contemporânea, e ela é fundamental para gerar as condições humanas necessárias para que possamos vender nossa força de trabalho. Os empregadores se beneficiam deste processo e tiram daí também expropriação do trabalho das mulheres. Seja sobre as educadoras, seja sobre as mães das educandas e dos educandos. 

    Como educadoras, a duplicação da jornada de trabalho de casa já conhecida, se confunde com o da escola: custeamento das condições para a prestação das aulas, com encargos de energia, água, internet, notebook, trabalhos de edição de vídeo e disponibilidade quase ininterrupta ao atendimento ao alunado, com prestação a assistência educacional, mas também técnica, auxiliando educandos no uso das ferramentas virtuais; tudo isto é somado ainda aos cuidados de limpeza, alimentação, administração de contas e do lar, cuidados com outros membros da casa, crianças, adultos, doentes ou pessoas idosas. Para as mães dos e das estudantes, o ensino remoto aprofundou o espaço para que as mulheres ainda tenham que se preocupar com o suporte dado as dúvidas, dificuldades, cuidados com o espaço de aprendizagem e dos recursos das condições para as aulas de seus filhos e filhas. Toda essa estrutura sexista oculta os custos dos encargos que devem ser responsabilidades dos empregadores das escolas privadas, mas que são pagos pela força de trabalho das mulheres. 

    O discurso patronal não poderia ser outro. Eles querem reduzir os custos e afirmam que aulas gravadas garantem aos e às estudantes reproduzirem os vídeos e aprenderem mais. Nem docentes, nem discentes e menos ainda pais e mães se deixam enganar por este discurso. Por outro lado, reside ali também outro aspecto fundamental: o maior controle do trabalho sobre educadores e educadoras. Muitas IES e escolas privadas estão propondo que os vídeos produzidos pelas/pelos docentes sejam reutilizados em futuros cursos da instituição. Isto é sem dúvida um controle sobre os nossos processos de produção intelectual em termos de tempo e de conteúdo, mas também abriu maiores margens para o patrulhamento político/ideológico. Bandeiras centrais do bolsonarismo. Já são inúmeros os eventos acadêmicos, aulas do ensino superior e de pós-graduações são alvos preferidos de ataques cibernéticos efetuados por grupos fascistas que efetuam palavras de ordem pró-bolsonaro, atrapalham os eventos com exibições de fotos e vídeos pornográficos e materiais anticomunistas e homofóbicos. 

    Diante deste cenário, trabalhadoras e trabalhadores da educação não estão em silêncio. Portanto, cabe a nós a resistência encarniçada contra os patrões e o governo. Contra a investida tecnocrata das grandes corporações que dominam o ensino privado no país, e que querem nos transformar em aparatos humanos a transferir de forma bancária os conteúdos disciplinares. Ensinar é aprender, é trocar experiências, é fundamentalmente um exercício de criar condições para a autonomia. De punhos cerrados estamos contra o retorno das aulas e também contra a normatização do EAD. Não há outra maneira de barrar os avanços dos capitalistas sobre a educação. Construir a luta organizada de educadores e estudantes é construir Poder Popular.


Carlos Augusto Braga,
Educador
Militante pelo Fórum Anarquista Especifista da Bahia

*http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=75061:educacao-domiciliar

**http://jornadapedagogica.educacao.ba.gov.br/wp-content/uploads/2020/01/Documento-Orientador-Novo-Ensino-M%C3%A9dio-na-Bahia-Vers%C3%A3o-Final.pdf
***https://www.metro1.com.br/noticias/cidade/96813,sucateamento-da-unifacs-professores-com-doutorado-recebem-r-400-de-salario

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