A militância no anarquismo
especifista se dá no dia a dia, na luta popular, na construção de formas
autônomas de vida, no embate contra o autoritarismo/governismo, e na busca
incansável por uma sociedade mais justa e libertária. E para que tudo isso aconteça é importante
que tomemos conhecimento da realidade ao nosso redor, das dificuldades que nós
enquanto povo enfrentamos na rotina diária da correria, para que saibamos mais
como agem nossos inimigos de classe, e assim possamos melhor combate-los.
Por perceber a importância de se ligar no que rola na Bahia, iniciaremos uma série de textos de análises de conjuntura no cenário baiano, também refletindo como o panorama nacional atinge nosso local de luta.
DE OLHO NO AGORA - A BAHIA E O BRASIL EM JUNHO E JULHO
VIOLÊNCIA E DESEMPREGO
Antes mesmo de junho chegar, os
boletins publicados no último dia de maio nos informavam que a Bahia ocupou no
primeiro trimestre de 2021 o primeiro lugar no ranking de mortes violentas
registradas no país[1]. No
dia 22 de Junho, em pleno São João, um novo boletim publicado nos informava que
o estado teve em 2020 um aumento de 137,5% de trans
assassinadas violentamente em relação a 2019[2]. Em meio a
esse cenário, o governo de Rui Costa continua seu silêncio sobre o caso do
menino Micael Silva, (que completou um ano no dia 14 de junho e que segue sem apuração
e nem resposta) ampliando a certeza do comprometimento do governo baiano com o
genocídio sistemático da população negra[3]. Enquanto
isso, os agrupamentos opositores e partidários do governo estadual empurram uns
para os outros a culpabilidade dos índices, cada vez mais alarmantes, de
criminalidade no interior e na capital.
Por outro lado, o desemprego se
espalha pelos municípios baianos cerceando as possibilidades de vida digna para
mais de 1,386 milhão de cidadãos. Segundo pesquisas divulgadas no fim de maio
pelo IBGE, a taxa de desemprego nos primeiros meses de 2021 atingiram 21,3% da
população na Bahia, que é muito acima da média nacional, configurando-se como a
maior do país[4] .
AS
ESQUERDAS E OS PROTESTOS DE RUA
Os
atos de protesto no 29 de maio contra Bolsonaro (inicialmente mobilizados por
vários movimentos sociais e que na sua véspera no dia 28 já tinham confirmadas
186 manifestações[5]),
representou segundo alguns analistas um
novo ciclo de lutas[6]
que se abre ante ao desgate institucional e popular do governo genocida. Mas é
preciso ressaltar que se o campo multifacetado da esquerda conseguiu enfim
articular algum nível de mobilização contra a aterradora gestão atual da
calamidade pública, isso se deu principalmente por fora das linhas do Estado.
Os principais partidos ditos de esquerda em um primeiro momento se lançaram
contra a mobilização dos atos[7], ora sinalizando que seria
um atentado contra as medidas sanitárias, ora indicando que o correto seriam
atos virtuais e simbólicos. Porém, mediante a força da mobilização ao redor do
Brasil, resolveram apoiar os atos de última hora e tentar capitanear ao máximo
esse ganho político para as próximas eleições. Essa estratégia não só deu certo
em alguma medida, que o PT na Bahia desde cedo já anunciava seu apoio para os
atos seguintes do dia 19 de junho.[8]
Essa ambiguidade na postura da esquerda
autoritária é compreensível se observarmos um pouco mais de perto o seu cálculo
político. Que se baseia no desgaste lento e gradual do governo Bolsonaro até às
eleições, ao mesmo tempo que não toma a linha de frente desse combate. Essa
estratégia traria duas benesses, a primeira seria a de preservar a imagem dos
seus partidos e candidatos contra toda animosidade que uma crítica mais
contundente traria, deixando-os mais à vontade na articulação com todo o campo
institucional ( vide FHC declarando voto a Lula[9], e Marcelo Freixo saindo
do PSOL e indo para o PSB[10]); e em segundo lugar
deixaria Bolsonaro enfraquecido para a disputa eleitoral, quando enfim o arauto
da vez da esquerda autoritária poderia
se mostrar mais livremente.
No
entanto, essa estratégia de inércia fingida tem seus riscos, e não mobilizar de
forma alguma suas bases eleitoreiras pode fazer com que tais partidos não
tenham fôlego no pleito de 2022. Isso se mostrou claramente no 1º de maio, que
sendo uma data da classe trabalhadora teve pela primeira vez nos últimos anos
uma mobilização considerável por parte dos segmentos reacionários. O que não é
desprezível tendo em vista o que essa data representa e a força que tem em outros
países da América Latina. Por outro lado apoiar uma instabilidade política
ainda maior faz com que tal esquerda autoritária diminua a previsibilidade de
seus cálculos para 2022. Sendo assim, como ficou evidenciado a amplitude de
tais atos, tais partidos preferiram dar um apoio envergonhado do que ficar de
fora totalmente, o que poderia manchar suas reputações de alguma forma. Na
prática o que se viu foi uma presença marcada pelos movimentos sociais, esquerdas
libertárias e esquerdas institucionais que em boa parte dos atos capitanearam
para si os atos.
A
adesão partidária se confirmou nos atos do dia 19 de junho (com 408 atos confirmados)[11], o de 3 de julho (com 119
atos confirmados)[12] e 24 de julho (com 284
atos confirmados)[13], em um cenário que a
imagem do governo começa a entrar em índices de rejeição cada vez mais altos.[14] Isso se dá mediante os
escândalos quase que diários da CPI da covid que revelam várias tramas de
corrupção envolvendo as compras das vacinas.
Desse modo, em termos de disputa da opinião pública os atos tem
reforçado a rejeição ao governo genocida que se revela cada mais insustentável
em manter mobilizada sua base.
Por
outro lado, por parte da esquerda institucional o que se vê é um cuidado para
que os atos não escalem novos tensionamentos contra a ordem vigente, e se
mantenham dentro do ordenamento jurídico burguês; uma vez que se mantendo dentro
do recharço institucional previsto, a trilha eleitoreira segue bem sucedida. Nesse
sentido é que se compreende o porquê de setores partidários contribuírem para a
criminalização de táticas como black blocks, o que trouxe à baila novamente
várias discussões sobre a legitimidade ou não de radicalização em protestos, de
modo semelhante ao que ocorreu em 2013.
EDUCAÇÃO PÚBLICA
Ainda no mês de junho foi decretado pelo governo do estado o retorno das aulas semipresenciais, a ser condicionado pelas as taxas de contaminação e internação[15], porém é preciso ressaltar que estudos recentes apontam que em São Paulo professorxs que trabalharam presencialmente nas escolas tiveram risco quase três vezes maior de desenvolver Covid-19 do que a população da mesma faixa etária no estado. Além do mais foi constatado que o número de contratos de trabalho no setor de educação encerrados por motivo de morte cresceu 128% de janeiro a abril deste ano, se comparado ao mesmo período do ano passado.[16]
Associando
isso ao fato de que assistimos um aumento dramático dos contágios em diversos
países nos quais a variante delta da Covid-19 tem se propagado[17], vemos que caso essa
abertura presencial se estenda a toda a rede de educação do estado, o que pode
ocorrer é um aumento vertiginoso de internações e mortes dxs profissionais da
educação. Vale lembrar que esse aumento da contaminação por parte da variante
delta tem se mostrado em países com um alto grau de controle e monitoramento
das contaminações o que é bem distinto de nossa realidade sanitária.[18]
[1] https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/05/31/monitor-da-violencia-ba-e-responsavel-por-135percent-das-mortes-violentas-registradas-no-1o-trimestre-de-2021-em-todo-o-pais.ghtml
[2] https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/06/22/bahia-e-3o-estado-do-brasil-que-mais-matou-mulheres-trans-e-travestis-em-2020.ghtml
[4] https://atarde.uol.com.br/bahia/noticias/2170048-desemprego-na-bahia-vai-a-213-e-atinge-maior-numero-desde-2012
[5] https://www.brasil247.com/brasil/29m-ja-sao-186-atos-contra-bolsonaro-confirmados-e-movimentos-indicam-medidas-de-precaucao-veja
[6] https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2021/06/atos-de-29-de-maio-abrem-novo-ciclo-de-lutas-democraticas-avaliam-cientistas-sociais/
[7] https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/lula-ignora-atos-de-29-de-maio-contra-bolsonaro-esquerda-viveu-dilema-sobre-ir-c3-a0s-ruas/ar-AAKwu2J
[8] https://atarde.uol.com.br/politica/noticias/2171596-pt-baiano-muda-orientacao-e-recomenda-participacao-em-novos-protestos-contra-bolsonaro
[9] https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2021-03-16/fhc-diz-que-votaria-em-lula-contra-bolsonaro-em-2022---menos-pior-.html
[10] https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/06/11/deputado-marcelo-freixo-sai-do-psol-rumo-ao-psb-de-olho-no-governo-do-rio.ghtml
[12] https://blogs.correiobraziliense.com.br/servidor/119-atos-de-protesto-confirmados-para-24-de-julho/
[13] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/protestos-pelo-fora-bolsonaro-em-24-de-julho-sao-confirmados-em-15-paises-e-284-cidades/
[14] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/datafolha-para-63-dos-brasileiros-bolsonaro-e-incapaz-de-liderar-o-pais.shtml
[15] https://agenciasertao.com/2021/06/29/rui-costa-preve-retorno-das-aulas-presenciais-nos-proximos-15-dias/
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